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Cada Palmo Importa

Os impactos socioambientais da especulação imobiliária em Fortaleza

Nas estradas do dia a dia é comum repararmos nas casas e construções espalhadas pela cidade. Foi durante uma viagem ao “por quê?” de Fortaleza ser tão desigual espacialmente, que decidimos criar o projeto Re Morar, destacando a resistência pela moradia digna e pelo espaço social na cidade. Cada Palmo Importa quando se tem uma história para contar.

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O que é o Re Morar?

O projeto Re Morar é um trabalho desenvolvido para a cadeira de jornalismo multimídia, do curso de jornalismo da Universidade Federal do Ceará. Nosso objetivo ao trazer esse tema é demonstrar interesse e dar espaço e voz a todas as questões sociais e ambientais que são levantadas pela especulação imobiliária.

É comum vermos a desigualdade espacial dentro da cidade de Fortaleza. Não é só pela resistência da moradia digna, é saber que cada construção conta uma história que vai além das paredes de concreto.

Especulação Imobiliária | Jornalismo UFC

Especulação Imobiliária | Jornalismo UFC

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Cada Palmo Importa

Os impactos socioambientais da especulação imobiliária em Fortaleza

A Especulação Imobiliária mostra uma Fortaleza que é dividida por disputas de poder. Parte da cidade é valorizada enquanto a parte periférica é desvalorizada. Essa valorização tem vários elementos: infraestrutura, saneamento básico, mobilidade urbana, acesso a lojas e comércios e fácil acesso para todos. Logo, são vários sistemas de engenharia que acabam se fixando em espaços específicos da cidade, demandando tempo e capital. 

 

Segundo o geógrafo Frederico do Nascimento, “há uma contradição entre o rico e o pobre, pois todos os bairros mais valorizados da cidade ficam próximos às áreas de periferias. Até porque algumas pessoas que trabalham nos bairros mais valorizados, onde fica o comércio, os shoppings, hospitais e outros equipamentos, são as pessoas da periferia que fazem seu deslocamento diário para trabalhar”, ele explica. 

 

Veja abaixo o mapa interativo dos 5 bairros de Fortaleza que mais sofrem com a Especulação Imobiliária: 

Conflitos de Interesses

O fenômeno abordado beneficia dois grupos específicos: o setor imobiliário, que lucra com negócios que são feitos nas áreas de valorização dos imóveis; e as pessoas que podem pagar por um imóvel, mesmo com os altos preços. De encontro a essa realidade, está a classe trabalhadora que, não tendo como pagar para viver nas áreas centrais de Fortaleza, são “empurrados” para a periferia, que tem como desvantagem a falta de infraestrutura digna. 

 

Frederico cita como exemplo o bairro Maria Tomásia, em que os moradores ficavam sem poder sair do bairro nos fins de semana, pois o transporte público não circulava. “No domingo, quando eles poderiam ter os momentos de lazer, não tinha ônibus. E o direito ao lazer?”

 

“A classe trabalhadora também deve ter direito à cidade!"

 

Com essa situação, os conflitos entre os dois grupos costumam ser bem intensos, tendo inclusive desdobramentos judiciais. O capital imobiliário e as empresas que representam o setor imobiliário querem especular e ocupar espaço para construir condomínios, torres empresariais, resorts, entre outros empreendimentos. 

 

Já as comunidades quilombolas, indígenas ou litorâneas que têm seus espaços ocupados pela especulação ou sofrem com suas consequências, são forçadas a deixarem seus lares. Contudo, o sentimento de pertencimento torna esse deslocamento muito árduo. Elas querem resistir e ficar no território pois faz parte da sua história, e também para sua subsistência com atividades como pesca e mariscagem. 

 

Em um outro lado desses conflitos está a esfera pública, que muitas vezes reage com omissões ou flexibilizações que prejudicam a população e o meio ambiente.   

 

“A esfera pública se alia com a esfera privada quando flexibiliza a construção de empreendimentos que não são ambientalmente responsáveis para atender os interesses do capital e não da população local”, diz o geógrafo. 

Aspectos Jurídicos

O advogado João Gonçalves falou sobre as dificuldades de resolver juridicamente os conflitos entre poder público e a população que vive em áreas de risco.

 João confirma que esse tema não é fácil de ser resolvido por que deve ser tratado com cautela.

Segundo ele, o conflito entre o poder público e as pessoas que invadem áreas de risco ou de preservação ambiental nem sempre é resolvido no âmbito jurídico. Ele explica que situações especialíssimas não necessitam de intervenção judicial, pois ela ocorre de uma maneira mais cautelosa, analisando todos os fatos e para ter uma decisão favorável o poder público tem que demonstrar que é uma emergência.

A relação de pertencimento que a população possui pode dificultar um remanejamento das áreas de risco, entretanto o poder público pode obrigar a essas pessoas que encontrem um outro lugar para morar. “Até porque essa proteção está na Constituição. Agora, não justifica um terreno que não oferece riscos e o estado usar da força sem a intervenção do judiciário”, João explica.

Consequências Ambientais

Vegetacao Nativa da Mata do Miriú - Foto: G1 Ceará

Vivemos em um país que possui uma das melhores legislações ambientais do mundo, entretanto o que está na lei não é aplicado. Assim, se acumulam projetos imobiliários de grande impacto socioambiental, que modificam o meio ambiente e a população que vive em seu entorno. 

 

Os empreendimentos que estão perto de áreas ambientais trazem consequências para a fauna, a flora e os recursos hídricos daquela região. E geralmente essas regiões são mais rentáveis.

 

Primeiro, podemos falar do Shopping Iguatemi, inaugurado em 1982. Quando foi construído, usou-se o discurso de que tinha a ajudado o meio ambiente, pois acabou com as salinas que existiam naquela região, mas ele gerou um impacto considerável naquela área. O equipamento cresce de forma horizontal, pois não pode crescer verticalmente devido ao solo daquela região, que é extremamente permeável, típico de mangue. 

 

Outro exemplo está na cidade de Aquiraz. Uma parte do Rio Pacoti, um dos maiores da Região Metropolitana de Fortaleza,  foi soterrado para a construção do Alphaville Resort.

 

Um dos conflitos mais recentes é o da Mata do Miriú, nas Dunas da Sabiaguaba, que é uma Zona de Interesse Ambiental (ZIA). O setor imobiliário que construir um loteamento. Já a comunidade local e a comunidade acadêmica querem que a área se torne um refúgio de vida silvestre. Por isso, dois projetos tramitam no setor judiciário. Um reivindicado pelas comunidades para pedir ao Ministério Público do Ceará para tornar a área um refúgio de vida silvestre.O outro, que tramita desde 2018, é para a construção do loteamento, em uma área de preservação ambiental. 

 

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Histórias de Resistências

Fortaleza é marcada por disputas de espaços e, comumente, interesses de grandes construtoras e do poder público entram em conflito com o direito à moradia de pessoas em situações socioeconomicamente mais vulneráveis. Um exemplo é a Vila Vicentina da Estância, local que resiste e está sob tentativa de Tombamento Definitivo.  

 

Maria de Fátima Souza, também chamada de Dona Fátima na sua comunidade, é moradora da Vila Vicentina há cerca de 26 anos. Ela comenta que houve tentativas de influenciar alguns residentes a venderem suas casas e, a partir deles, a ideia era que esses “fizessem a cabeça dos outros moradores”, os induzindo a também negociarem suas residências. A ideia de compra da Vila gira em torno do desejo na construção de apartamentos, segundo a moradora.

 

Localizada no bairro Dionísio Torres, algumas casas da Vila já foram demolidas e outras destelhadas, em ação autorizada pela Prefeitura Municipal de Fortaleza no ano de 2016. A relação das pessoas com o local ultrapassa o sentimento de posse material, Dona Fátima fala que há uma “relação de amor, de afeto, de segurança, de gratidão, por poder morar em um local em que existe a facilidade de acesso a saneamento básico, água e energia, uma enorme variedade de transporte coletivo, igrejas, farmácias, supermercados, praças, posto de saúde, escolas, bancos.” 

 

Diante dessa situação, Dona Fátima comenta que conhece seus direitos à uma moradia digna e que participou de algumas capacitações para entendê-los e, assim, aprender a lutar por eles.

 

“Eu não tenho esperança que a especulação imobiliária diminua, porque a ganância pelo dinheiro e pelo poder, nunca diminuirá, para quem vive e lucra, em função disso, tenho esperança sim, de que os nossos direitos sejam respeitados e garantidos por leis, o que fará com que nós saíamos do foco da especulação imobiliária.”

 

Os residentes atuam como resistência, participando de movimentos e ações para fortalecer a luta por suas moradias. "Fazemos parte da Frente de Luta Por Moradia Digna, temos diversos apoiadores, assessorias, que nos apoiam e nos orientam nessa caminhada”, conta Dona Fátima.

Movimentos de Resistência

O movimento Frente de Luta por Moradia Digna (FLMD) atua em Fortaleza há alguns anos. “Somos um coletivo que juntas(os) nos apoiamos mutuamente, fazemos formações, articulamos momentos e lutas onde as comunidades que fazem parte da frente ou outras lutas por moradia, manifestações que garantam moradia digna para todos”, explica Cícera Martins, militante do FLMD.

 

“A situação atual é que temos uma cidade apartada e segregada, onde poucos usufruírem do melhor e a minoria que é a maioria, são obrigados a viver nas periferias sem políticas públicas que possam cobrir as necessidades básicas dos moradores. Não vivemos, sobrevivemos, principalmente para nós, as mulheres.”

 

Cícera relata falta de atenção à essa questão pelo poder público: “falta vontade política, porque dinheiro tem. Enganam as comunidades, e faz com que nós que estamos mais à frente nas comunidades, cria-se um descrédito nas lideranças que atuam por direitos há uma moradia digna.”

 

O coletivo FLMD atuou como agente mobilizador em questões como: o impacto da Copa do Mundo FIFA 2014; comunidades atingidas pelo Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT); e a implementação de e efetivação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS).

Zonas Especiais de Interesse Social

São áreas destinadas a construções de moradias para pessoas que moram em lugares de vulnerabilidade socioambiental, que deveriam ser fornecidas pela prefeitura e governo estadual.

 

Entretanto, mesmo que as pessoas sejam realocadas para essas Zonas Especiais, existem outras variáveis que impedem que elas se fixem nesses locais, como por exemplo a atuação das facções e as pessoas que acabam retornando para as áreas de risco. E nessa última situação, o poder público se utiliza dessa justificativa para se tornar omisso quanto às questões de moradia digna na cidade de Fortaleza. 

Infográfico

O infográfico abaixo mostra os principais dados relacionados as Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza,

bem como, quais são elas, número de habitantes, área e assentamento precário.

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